Stephen Graham conta em entrevistas que teve a ideia para "Adolescência" quando leu a segunda notícia em poucos meses sobre um garoto que matara uma menina a facadas e percebeu que se tratavam de casos diferentes. Na sériecasa chinesa tigrinho， que estreou dia 13 na Netflix e teve 24 milhões de exibições em seis dias， ele também vive Eddie， o pai de um menino de 13 anos preso por assassinato， Jamie.

É sobretudo pelo olhar incrédulo de Eddie que o espectador é apresentado à história， contada em quatro episódios de uma hora， cada um deles filmado em plano-sequência único， sem cortes. Não se trata de maneirismo; o recurso escolhido pelo diretor Philip Barantini， um balé engenhoso de cinegrafistas， atores， drones e gruas， imprime ritmo e naturalidade a "Adolescência".

O resultado é simples， e Alfred Hitchcock provavelmente aplaudiria.

O maior trunfo da série， contudo， não é estilístico. É narrativo. Graham e seu corroteirista Jack Thorne (o mesmo do bom "Cidade Tóxica"， tema da coluna passada) capturaram um medo universal —o filho que se desgarra da família para fazer algo terrível— e atualizaram para hoje. É simultaneamente perene e representativo desses tempos; é um conto de terror social com o sotaque do interior operário inglês， mas ressoa em qualquer parte do mundo onde haja serviço de internet.

Tamanha universalidade vem de dois fatores: primeiro， a radicalização de Jamie —interpretado com um talento assombroso pelo estreante Owen Cooper— se dá de forma trivial， com colegas na escola e nas horas passada em seu quarto， na internet.

O discurso de ódio às mulheres que pais e educadores pensam existir apenas nas profundezas das redes já emergiu e corre livre entre adolescentes de toda classe social e configuração familiar. É uma vida que os responsáveis desconhecem， ao ponto de não entenderem sua linguagem nem perceberem seus sinais.

A conversão de Jamie， entretanto， não se dá por completo， nem ocorre de uma vez， e "Adolescência"， com a característica sobriedade britânica， acerta ao evitar o maniqueísmo. Seu protagonista não é um garoto angelical cooptado por gente ruim， tampouco um monstro enrustido.

Este é o segundo fator a nos conectar com a série: Jamie não é um psicopata nem carrega traumas de abusos como ocorre em produções do tipo， como "Monstros" e "Precisamos falar sobre Kevin".

É um menino comum， de uma família de classe média que o ama e vive em razoável harmonia; tem amigos， embora não se considere popular e sofra algum bullying; tem o porte natural da idade e é inteligente sem ser brilhante. Idolatra o paicasa chinesa tigrinho， que o ama mas pouco demonstra. Suas inseguranças espelham as de gerações.

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